Por Natália Burkle
Levei um tempo para absorver todas as coisas que senti sendo chefe de escola pela primeira vez, agora na DM¹ de março. O peso da responsabilidade, por incrível que pareça, se tornou maior depois que a DM acabou. Mas esse “peso” não se deve ao cargo que eu assumi durante a DM, porque isso já não importa, mas às minhas constatações ao final dela.
Primeiro, reparei no quanto estava cansada, mas em como estava fe
liz por tudo ter dado certo. E então, como se eu pudesse ouvir a minha própria voz dentro da minha cabeça, eu pensei: “acabou”.
liz por tudo ter dado certo. E então, como se eu pudesse ouvir a minha própria voz dentro da minha cabeça, eu pensei: “acabou”.
Mas esse “acabou”, talvez tenha sido uma das maiores mentiras que eu já contei para mim mesma, e logo, me dei conta disso.
Lembrei das famílias. Do líder comunitário. Das crianças. De uma senhora cuja enquete eu acompanhei... Pensei em todas as histórias que já ouvi no TETO. Em todas as mães que conheci. Em todas as crianças que peguei no colo. Nas pessoas que são tratadas por toda uma sociedade opressora como se não existissem. Pessoas que são tratadas como se fossem mais do que invisíveis. Porque até o que é invisível...como o vento, todos podem sentir. E essas pessoas...quase ninguém vê, muito menos sente.

E por que que tem que ser assim? Pois é. Não tem. Não deve.
E esse final de semana, eu vi um grupo de jovens se questionando sobre as mesmas coisas. Muitos dos quais estavam entrando em uma comunidade pela primeira vez. E pude ver nos olhos deles e nas vozes engasgadas, que além de ver essas pessoas, eles também foram capazes de senti-las.
Esses jovens perceberam que a nossa realidade, e a realidade das pessoas que vivem nas comunidades, é a mesma, porque todos nós vivemos em um mesmo mundo. Um mundo que é sim, cruel, desigual e perverso.
Só que esse mundo só é assim porque foi construído desse jeito. E hoje, sou alguém mais confiante, porque vi o desejo de mudança, tanto nas famílias que vivem nas comunidades, quanto nesses jovens. E pensando na força que eu enxergo nessas pessoas, vejo um objetivo em comum: o fim da pobreza. Uma pobreza que vai muito além de somente a renda.
Vejo também o fim da pobreza intelectual, moral e espiritual.
A partir de hoje, o que vai me mover, não é mais a indignação de viver numa sociedade desigual. Mas é a certeza de que através do esforço coletivo, nós viveremos um dia em um mundo no qual as pessoas serão SIM tratadas como iguais. Um mundo no qual todos terão as oportunidades que eu tive. Um mundo assim pode parecer impossível. Mas como disse Nelson Mandela: “tudo parece impossível, até que seja feito”.
Sabemos que esse futuro ainda está longe. Sabemos que o trabalho não está nem perto de acabar. Mas aceitamos essa responsabilidade, com a certeza de que não estamos mais sozinhos.
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¹ DM: Detecção Massiva, etapa anterior a construção, quando os voluntários vão até comunidades passíveis de receber a construção e aplicam enquetes com as famílias para coletar dados socioeconômicos e averiguam a situação dos barracos, para então, eleger com base nas enquetes respondidas, quais famílias receberão a construção.
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¹ DM: Detecção Massiva, etapa anterior a construção, quando os voluntários vão até comunidades passíveis de receber a construção e aplicam enquetes com as famílias para coletar dados socioeconômicos e averiguam a situação dos barracos, para então, eleger com base nas enquetes respondidas, quais famílias receberão a construção.