--- Frase de Agora! ---
"A água é para os escolhidos
Mas como podemos esperar que sejamos nós..
... eu e você?"

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Destaque da Semana: Onde está o sol que estava aqui?
Ladrões de sol, crise hídrica e êxodo rural

quinta-feira, 31 de março de 2011

Ahimsa: O Caminho de Ser Inofensivo

Ahimsa: O Caminho de Ser Inofensivo

Estudos Budistas
Tradição do Ven. Thich Nhat Hanh

A palavra sânscrita ahimsa, usualmente traduzida como não-violência literalmente significa, não ferir ou ser inofensivo. Para praticar ahimsa, primeiramente temos que praticá-la dentro de nós mesmos. Em cada um de nós, há certa quantidade de violência. Dependendo do nosso estado, nossa resposta às coisas será mais ou menos não-violenta. Mesmo se formos orgulhosos de sermos vegetarianos, por exemplo, temos que reconhecer que a água em que cozinhamos os vegetais contém muitos micro-organismos. Não podemos ser completamente não violentos, mas sendo vegetarianos, estamos indo na direção da não violência. Se quisermos ir para o norte, podemos usar a Estrela do Norte para nos guiar, mas é impossível chegar até ela. Nosso esforço é apenas nos dirigirmos naquela direção.
Qualquer um pode praticar alguma não-violência, mesmo soldados. Alguns generais, por exemplo, conduzem suas operações de modo a evitar matar pessoas inocentes. Isto é um tipo de não violência. Para ajudar soldados a se moverem para uma direção não-violenta, temos que estar em contato com eles. Se dividirmos a realidade em dois campos – o violento e o não-violento – e ficarmos em um campo enquanto atacamos o outro, o mundo nunca terá paz. Sempre acusaremos e condenaremos aqueles que sentimos que são responsáveis pelas guerras e injustiças sociais, sem reconhecer o grau de violência em nós mesmos. Precisamos trabalhar em nós mesmos e também naqueles que condenamos se quisermos ter um impacto real.
Nunca ajuda desenhar uma linha e responsabilizar algumas pessoas como inimigas, mesmo aqueles que agem violentamente. Temos que abordá-los com amor nos nossos corações e fazer o nosso melhor para ajudá-los a se mover na direção da não-violência. Se trabalharmos pela paz baseados na raiva, nunca iremos ter sucesso. Paz não é um fim. Ela nunca pode acontecer através de meios não pacíficos.
Quando protestamos contra uma guerra, podemos assumir que somos uma pessoa pacífica, um representante da paz, mas pode não ser o caso. Se olharmos em profundidade, observaremos que as raízes da guerra estão nos modos não conscientes que temos vivido. Não plantamos sementes suficientes para a paz e entendimento em nós mesmos e nos outros, portanto somos co-responsáveis: “Como eu tenho sido assim, eles são daquele jeito.”
Uma abordagem mais holística é o caminho do “interser”: “Isto é assim, porque aquilo é daquele jeito.” Este é o caminho do entendimento e amor. Com este insight, podemos ver claramente e ajudar nosso governo a ver também. Então poderemos ir a uma passeata e dizer, “Esta guerra é injusta, destrutiva e não merecedora da nossa grande nação.” Isto é muito mais efetivo que raivosamente condenar os outros. A raiva sempre acelera o estrago.
Sabemos como escrever fortes cartas de protesto, mas também precisamos escrever cartas de amor para o nosso presidente e representantes, demonstrando entendimento e usando o tipo de linguagem que eles irão apreciar. Se não fizermos isso, nossas cartas podem acabar no lixo e não ajudar ninguém. Amar é entender. Não podemos expressar amor para alguém a não ser que o entendamos. Se não entendermos nosso presidente ou congressistas não poderemos escrever para eles cartas de amor.
As pessoas ficam felizes em ler boas cartas nas quais compartilhamos nossos insights e nosso entendimento. Quando eles recebem este tipo de carta, se sentem entendidos e prestarão atenção às nossas recomendações. Você pode pensar que a maneira de mudar o mundo é eleger um novo presidente, mas um governo é apenas um reflexo da nossa própria consciência. Para criar uma mudança fundamental, nós, membros da sociedade, temos que nos transformar. Se quisermos paz real, temos que demonstrar nosso amor e entendimento de forma que os responsáveis pelas decisões aprendam de nós.
Todos nós, mesmo pacifistas, temos dor dentro de nós. Nós nos sentimos com raiva e frustrados, e precisamos encontrar alguém disposto a nos ouvir e que seja capaz de entender nosso sofrimento. Na iconografia budista, há um bodisatva chamado Avalokitesvara que tem 1.000 braços, 1.000 mãos e tem um olho na palma de cada mão. Mil mãos representam ação e o olho em cada palma de mão representa o entendimento. Quando você entende uma situação ou pessoa, qualquer ação que faz ajudará e não causará mais sofrimento. Quando você tem um olho na sua mão, sabe como praticar a verdadeira não-violência.
Imagine se cada uma das nossas mãos tivessem um olho nelas. É fácil representar numa figura uma mão com um olho, mas como pode um artista também colocar um olho nas suas palavras? Antes de dizer algo, temos que entender o que estamos dizendo e a pessoa para quem nossas palavras são direcionadas. Com o olho do entendimento, não diremos coisas que façam outras pessoas sofrerem. Culpar e discutir são formas de violência. Quando falamos, se sofremos grandemente, nossas palavras podem ser amargas e não irão ajudar ninguém. Temos que aprender a nos acalmar e sermos uma flor antes de falarmos. Esta é a “arte da fala amorosa.”
Ouvir também é uma prática profunda. O bodisatva Avalokitesvara tem um profundo talento para a escuta. Em chinês seu nome significa “ouvindo os choros do mundo.” Temos que ouvir de uma maneira que entendamos o sofrimento dos outros. Temos que nos esvaziar e deixar espaço de forma que possamos ouvir bem. Se inspirarmos e expirarmos para nos refrescarmos e nos esvaziarmos, seremos capazes de sentarmos parados e ouvir à pessoa que está sofrendo.
Quando esta pessoa está sofrendo, ela precisa de alguém que a ouça com atenção sem julgar ou reagir. Se ela não puder achar alguém na família, pode ir a um terapeuta. Apenas por sermos ouvidos profundamente, já aliviamos uma grande parte da dor. Esta é uma prática importante de paz. Temos que ouvir dentro de nossas famílias e comunidades. Temos que ouvir a todos especialmente àqueles que consideramos nossos inimigos. Quando mostrarmos nossa capacidade de escuta e entendimento, a outra pessoa também irá nos ouvir, e teremos a chance de falar sobre nossa dor. Este é o começo da cura.
O pensamento é a base de tudo, é importante para nós colocar um olho de consciência em cada um de nossos pensamentos. Sem um correto entendimento da situação ou pessoa, nossos pensamentos podem nos levar ao erro e criar confusão, desespero, raiva e ódio. Nossa tarefa mais importante é desenvolver o insight correto. Se olharmos profundamente na natureza do interser, que todas as coisas intersão, pararemos de culpar, discutir e matar e nos tornaremos amigos de todos.
Há três domínios da ação – corpo, fala e mente. Adicionalmente, há a não-ação, que é frequentemente mais importante que a ação. Sem fazermos nada, as coisas às vezes podem ir mais suavemente, apenas devido à nossa presença pacífica. Em um barco pequeno quando uma tempestade vem, se uma pessoa fica sólida e calma, os outros não entrarão em pânico, e o barco terá maiores possibilidades de continuar flutuando. Em muitas circunstâncias, não-ação é fundamental para o nosso bem-estar.
Se pudermos aprender o modo de vida que a árvore tem – permanecendo frescos e sólidos, pacíficos e calmos – mesmo se não fizermos muitas coisas, outros se beneficiarão de nossa não-ação, de nossa presença. Podemos também praticar a não-ação no domínio da fala. Palavras podem criar entendimento e aceitação mútua, ou podem causar o sofrimento dos outros. O melhor às vezes é não falar nada. Este é um texto sobre ação social não violenta, mas precisamos discutir também não-ação não violenta. Se quisermos realmente ajudar o mundo, a prática da não-ação é essencial.
É claro, às vezes não-ação pode causar danos. Quando alguém precisa de nossa ajuda e recusamos, ela pode morrer. Se um monge, por exemplo, vê uma mulher se afogar e não quer tocá-la por causa de seus preceitos, ele irá violar o mais fundamental princípio da vida. Quando vemos uma injustiça social, se praticarmos não-ação, podemos causar danos. Quando pessoas precisam de nós para dizer ou fazer algo, se não fizermos nada, podemos matar pela nossa inação ou silêncio.
Para praticar ahimsa, primeiramente precisamos aprender a lidar pacificamente conosco mesmos. Se criarmos verdadeira harmonia dentro de nós, saberemos como lidar com a família, amigos e associados. Técnicas são sempre secundárias. O mais importante é se tornar ahimsa, de forma que quando uma situação se apresente, não criaremos mais sofrimento. Para praticar ahimsa, precisamos de gentileza, bondade amorosa, compaixão, alegria e equanimidade direcionadas a nossos corpos, nossos sentimentos e outras pessoas.
A paz real deve ser baseada no insight e entendimento e para isso devemos praticar a reflexão profunda – olhar profundamente dentro de cada ato e cada pensamento da nossa vida diária.
Com plena consciência – a prática da paz – podemos começar a trabalhar para transformar as guerras em nós mesmos. Há técnicas para fazer isso. Respiração consciente é uma. A cada vez que ficamos aborrecidos, podemos parar o que estamos fazendo, evitar dizer qualquer coisa, e inspirar e expirar várias vezes, consciente de cada inspiração e expiração.
Se continuarmos aborrecidos podemos ir para uma meditação caminhando, conscientes de cada passo lento e cada respiração que dermos. Através do cultivo da paz interior, levamos paz para a sociedade. Depende de nós. Praticar a paz interior é minimizar o número de guerras entre este e aquele sentimento, ou entre esta e aquela percepção, e então podemos ter paz real com os outros também, incluindo membros de nossa própria família.
Sou sempre questionado, “E se você estiver praticando amor e paciência e alguém invade sua casa e tenta sequestrar sua filha ou matar seu marido? O que você faria? Você deveria matar a pessoa ou agir de uma maneira não-violenta?” A resposta depende do estado de seu ser. Se você estiver preparada, você pode reagir calmamente e inteligentemente, do modo mais não violento possível. Mas para estar preparado para reagir com inteligência e não-violência, você tem que se treinar antes. Pode levar dez anos ou mais.
Se você esperar até a hora da crise para perguntar, será tarde demais.Uma resposta deste ou daquele tipo seria superficial. Neste momento crucial, mesmo se souber que não-violência é melhor que violência, se seu entendimento for apenas intelectual e não estiver em todo o seu ser, você não agirá não-violentamente. O medo e a raiva em você não te deixarão agir do modo mais não-violento.
Para evitar a guerra, para prevenir a próxima crise, precisamos começar exatamente agora. Quando uma guerra ou crise começou já é tarde. Se nós e nossos filhos praticarem ahimsa nas nossas vidas diárias, se aprendermos como plantar sementes de paz e reconciliação em nossos corações e mentes, começaremos a estabelecer paz real, e deste modo, podemos ser capazes de evitar a próxima guerra. Se outra guerra vier, saberemos que fizemos o nosso melhor.
Dez anos será tempo suficiente para evitar outra guerra? Quanto tempo leva para respirar conscientemente, sorrir, e estar totalmente presente a cada momento? Nosso inimigo real é o esquecimento. Se nutrirmos a plena consciência a cada dia e regarmos as sementes de paz em nós mesmos e naqueles a nossa volta, temos uma boa chance de evitar a próxima guerra e desarmar a próxima crise.
(Do livro “Love in action”– Thich Nhat Hanh)
(Traduzido por Leonardo Dobbin)

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