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segunda-feira, 16 de março de 2009

Reforma Ortográfica

Hífen Continua com N

Acordo ortográfico que unifica a escrita nos oito países onde se fala o português começa a valer. Brasileiros, que mal dominam regras “antigas”, têm até 2012 para se adaptar novamente

Por Evelyn Pedrozo

A adoção do novo acordo de unificação ortográfica da língua portuguesa, por aí apelidado de reforma ortográfica, a partir de 1º de janeiro, não significa que ficará mais fácil ou mais difícil falar ou escrever. O idioma rico, utilizado por 210 milhões de pessoas em todo o mundo, é quase indominável. São acentos, fonemas e conjugações verbais que confundem, intrigam e, pouca gente discorda, é muito difícil de escrever e falar corretamente. O acordo traz apenas alguns ajustes, como o fim do trema, a eliminação de acentos em ditongos e diferenciais e mudanças nos hífens, o item mais atacado por especialistas. E a finalidade é política: unificar a língua escrita no Brasil com a dos demais países lusófonos - Portugal, Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, São Tomé e Príncipe e Timor Leste.

As mudanças incidem sobre 0,5% do vocabulário do brasileiro e 2% do restante. O português era a única língua não unificada no mundo. As tentativas de unificação são antigas - desde o início do século 20. No Brasil, aconteceram reformas em 1943 e 1971. Em Portugal, onde houve maior resistência ao atual acordo, a última mudança ocorreu em 1945.

Os veículos de comunicação e os documentos oficiais são os primeiros a seguir as novas reg
ras. A Revista do Brasil emprega as alterações a partir desta edição. Até 2012 as duas grafias valem para utilização em vestibular, provas de escolas e concursos públicos. No ensino público, as mudanças serão implementadas a partir de 2010.
Os livros atuais saem desatualizados, já que o processo de compra começa dois anos antes da entrega - 130 milhões de exemplares publicados em 2009, a maioria didáticos, a um custo de R$ 900 milhões, não incluem as novas regras. Para os professores, resta o desafio de ensinar os alunos sem a ferramenta adequada, já que não poderão ignorar as alterações em suas aulas. O Ministério da Educação (MEC) aguarda a divulgação do Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, em elaboração na Academia Brasileira de Letras (ABL), para imprimir material complementar aos livros e iniciar a capacitação dos docentes, que deve ocorrer até o mês que vem, segundo o diretor de ações educacionais, Rafael Torino.

A utilização do hífen é intrigante e o acordo traz novas regras antes mesmo de a forma antiga ter sido dominada. A estudante de cursinho pré-vestibular Fernanda Cunacia da Rocha, de São Paulo, titubeia quando questionada sobre a correta grafia da palavra “antissocial”. “É tudo junto?”, arrisca. No dia em que foi entrevistada não era. A regra dizia: anti... leva hífen quando o segundo elemento começa com h, r e s. Agora, o hífen continua só para o h. “Para que isso? Vai confundir, vai ficar feio”, desabafa a adolescente de 18 anos.

O acordo é tecnicamente malfeito, afirma o professor de Português e escritor José Luiz Fiorin, aposentado desde setembro pela Universidade de São Paulo (USP). “As mudanças poderiam ser diferentes, como no caso do hífen. Ainda existe muito espaço para melhorá-lo”, afirma. Fiorin destaca, porém, que não daria para fazer uma reforma radical na ortografia a essa altura do campeonato. “As regras foram fortemente alteradas no início do século 20, quando poucas pessoas eram alfabetizadas. Mas agora é diferente. Seria necessário jogar todas as publicações no lixo e todo mundo precisaria ser realfabetizado”, observa.

Domício Proença Filho, membro da cadeira 28 da Academia Brasileira de Letras, diz que o acordo respeita as diversidades dos povos. “Aqui continuamos a grafar acadêmico (com acento circunflexo) e lá eles mantêm académico (com agudo)”, observa. Uma coisa é certa, diz o professor, eles deveriam ter acabado de vez com o hífen. Para Proença Filho, a vantagem do acordo é diplomática. “No caso de documentos oficiais da Organização das Nações Unidas, por exemplo, seja qual for o padrão adotado, o nosso ou o deles, todos devem aceitar porque é oficial”, explica. Segundo ele, também fica facilitado o intercâmbio cultural, pois livros científicos e didáticos poderão circular livremente nos oito países.

A Associação Brasileira das Editoras de Livros (Abrelivros) afirmou em nota que não tem como mensurar o impacto da nova medida junto às empresas. A entidade observa, no entanto, que o processo de adaptação de um livro é trabalhoso e requer muito cuidado. “O acordo é uma medida governamental e todas as editoras irão acatá-lo. Ele foi selado e não nos cabe discutir a sua validade”, diz a nota.

Apego

A jornalista, professora de Inglês e estudante de Letras da USP Adriana Buzzetti está com o pé atrás. “Tenho uma relação meio romântica com a língua portuguesa. Falo inglês e um pouco de francês e vejo a beleza dessas línguas cada uma à sua maneira. No caso do português, o que acho bonito são os sinais gráficos. Então, com a queda do trema e do acento agudo de algumas palavras, acho que perde um pouco dessa beleza gráfica, se assim podemos chamar”, diz. Adriana acredita que basta uma consulta a um manual e está tudo certo com as mudanças. “A uniformização da grafia para os países lusófonos é importante. O que permanece diferente é o uso da língua mesmo, as construções, o vocabulário, que varia de um país para outro, que é o que marca a identidade cultural de um povo.”

O escritor português José Saramago, em recente passagem por São Paulo, lembrou que a primeira palavra que aprendeu a escrever foi “mãe”, com “e” no final. “Depois de um reforma passei a escrever com ‘i’; depois outra reforma me fez voltar a escrever com ‘e’. E não importava, minha mãe era sempre a mesma”, brincou. “Não importa a palavra, importa que nos comuniquemos. É preciso ter tolerância, a língua portuguesa é toda língua seja qual for o lugar em que se fala, o importante é que seja inclusiva, é termos um exercício de tolerância. O que está em primeiro lugar é o grau de educação que se dá.”

Confusão à vista

Letras do alfabeto
Passam a ser 26 com a inclusão ?oficial de K, W e Y

Não se usará mais o hífen quando:
o segundo elemento começa com s ou r. Nesses casos a consoante será dobrada, como em antirrábico e antissocial. Exceção feita quando o prefixo terminar com r: hiper-revolucionário, super-rato ou inter-racial;
o prefixo termina em vogal e o segundo elemento começa com vogal diferente: extraoficial, aeroespacial, infraestrutura e iberoamericano.

Abolição do trema
Só existirá em nomes próprios e seus derivados.

Acento diferencial não será mais usado para distinguir:
“pára” (do verbo parar) de “para” (preposição); “péla” (do verbo pelar) de “pela” (preposição mais artigo); “pêlo” (substantivo) de pelo (preposição mais artigo).

Acento circunflexo não será mais usado:
nas terceiras pessoas do plural do presente do indicativo ou do subjuntivo dos verbos crer, dar, ler, ver e seus derivados. O correto será creem, deem, leem, veem;
em palavras terminadas em hiato “oo”, como voo, enjoo.

Acento agudo
não será mais usado nos ditongos abertos “ei” e “oi” de palavras paroxitonas. O correto será assembleia, boleia, ideia, estreia;
nas palavras paroxítonas com “i” e “u” tônicos, quando precedidos de ditongo, ?o correto será feiura, baiuca;
nas formas verbais com acento tônico na raiz, com “u” tônico precedido de “g” ou “q” e seguido de “e” ou “i”. Com isso, o correto passa a ser averigue em vez de averigúe, apazigue no lugar de apazigúe.

Fim das letras mudas no português lusitano
Deixam de existir o “c” e o “p” de palavras nas quais as letras não são pronunciadas como acção, acto, adopção, facto, optimo - que passam para ação, ato, adoção, fato e ótimo. Para os brasileiros não faz diferença, mas para os portugueses faz.

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Crônica - Língua Apátrida

Negociata, segundo dizia Stanislaw Ponte Preta, é um bom negócio para o qual não fomos
convidados. Pensando na tal reforma ortográfica que nos foi imposta e que começa a valer agora, em 2009, fico em dúvida se ela se encaixa nessa definição. De certa forma, fomos mais do que convidados: faremos o que decidiram no acordo por nós. Mas não fomos convidados para discutir o dito-cujo, que vai transformar em papel velho bilhões de livros.

Certo, a gente pode manter os livros em casa e ler normalmente, ninguém vai ser obrigad
o a jogar livros fora. Mas, no mínimo, vamos ter de comprar novos dicionários. Ou guias. Milhões e milhões de dicionários! Os editores de dicionários devem estar gritando vivas aos quatro ventos. E os editores de livros didáticos também, pois todos terão de ser substituídos, sem contar livros para as bibliotecas escolares. Os pedagogos dizem que manter nas bibliotecas escolares livros com ortografia “antiga” atrapalha os alunos. Eles aprendem uma coisa com os professores e encontram outra nos livros, o que os deixarão confusos. Então, todos os livros “antigos” têm o destino do lixo ou da reciclagem.

Num país em que muitos municípios não têm sequer uma biblioteca pública acho que é um desperdício provocar o gasto de milhões de reais com a compra de novos livros para substituir outros iguais das bibliotecas que já existem por causa de uns poucos acentos e pela inclusão das letras K, W e Y, que na prática já estão presentes em nosso dia-a-dia. Bastaria incorporá-las ao alfabeto e pronto. Sem contar que algumas palavras continuarão sendo escritas de forma diferente no Brasil e em Portugal. O que justificará num futuro próximo mais uma reforma
dessas, para jogar muita grana nas mãos dos editores. Tudo decidido por meia dúzia de acadêmicos.

Que democracia é essa? Chegaram a fazer umas matérias por aí sobre a praticidade ou não da reforma, mas todo mundo se nega a discutir os custos dela. Parece haver uma cumplicidade da grande imprensa, dos linguistas (sim, agora sem o trema) e dos editores interessados. Nem seções de cartas dos jornais publicaram algo com essa argumentação.

Bom, já que queriam fazer uma reforma, eu proporia logo uma revolução inspirada num amigo russo, vindo de lá com uma família que ‐ veja que ironia ‐ fugia da revolução.

Em São Paulo existe uma comunidade de russos apátridas, descendentes de opositores da
Revolução Russa. O caminho desse pessoal era mais ou menos o mesmo: os pais ou avós deles eram ricos (ou simplesmente direitistas) e, quando os bolcheviques tomaram o poder, fugiram para a China, de onde esperavam voltar para a Rússia algum dia. Mas houve
a revolução comunista também na China e, com Mao no poder, se mandaram para a América. Na cabeça de quase todos eles a América eram os Estados Unidos, mas para quem os trazia América era também o Brasil.

A família do Victor, meu amigo, era uma dessas que saíram da velha Rússia, foram para a China e acabaram na América. Só que ele e seus familiares não vieram no mesmo navio. Ele, a mãe e um irmão vieram parar no Brasil, enquanto as irmãs foram para os Estados Unidos.

Um dia o Marcos, colega de “repartição”, disse que o Victor atropelava as palavras e às vezes não usava verbo. Ele gostou da observação e passou a falar sem verbo mesmo. E muitas vezes sem artigos nem preposições etc. Engolia o máximo de palavras que podia. Por exemplo: não dizia mais “eu vou ao cinema hoje à noite”; apenas “eu cinema noite”. Numa saída de férias perguntaram-lhe o que ia fazer. Em vez de “vou viajar para o Oregon para visitar minhas irmãs”, disse apenas “eu Oregon irmãs”. Enfim, era direto: “Você comigo almoço?”, “chefe bravo erro”. E todo mundo entendia.

Taí, burocratas da língua: radicalizem. Em vez de reforma, vamos logo partir para uma revolução linguística!

Um comentário:

Anônimo disse...

A reforma vale para todo território qeu se fala a lingua portuguesa, complicado atender o gosto do freguês e o custo tbm, a reforma esta dando lucros né, editoras, livrinhos explicando detalhes,colunas em jornais e todo mundo compra,vê,lê. Sendo que vale lembrar que a lingua é muito mais que somente essas pequenas regras.E que vale ser explorada no todo. Porque pr toda egra tem sempre a exceção : )

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