Ouvi o estalar da brasa na lareira. O relógio parara, depois de tantos anos em funcionamento normal. A música presenteava o ambiente com uma atmosfera de filme. E não de muito longe ouvi um trovão.
Impossível! A tarde estava com um límpido e sereno céu azul anil.
Avistei ao longe nuvens negras-metálicas e uma forte ventania abalou a estrutura da casa, desfez toda a magia que estava no ar, assustou as crianças fazendo-as tremer de frio, e o zumbir do vento impediu-me, por instantes, de ouvir a canção. Minha alma enfurecia-se.
Ao pé dos majestosos ventos, vi o motivo de soprarem em tom de vingança. O redemoinho agora a pouco expulso de sua diversão – um tanto sádica – de atormentar o descanso das folhas, estava ali girando em tom superior, soprando blasfêmias contra as brisas.
Um duelo injusto. O pequeno redemoinho me dava nojo por ser tão cruel, se eu pudesse teria feito algo para impedir o início do acerto de contas, que estava mais pra mimo da cria dos ventos; mas me mover era algo que estava muito longe diante de toda essa excitação.
Os ventos investiram contra as brisas, fazendo o maior barulho e destelhando as casas que estavam no caminho. As brisas atordoadas por serem carregadas e prensadas contra um muro do outro lado da rua, que agora a pouco as crianças brincavam defronte ele, serpenteavam debilmente e ao recobrarem a consciência foram logo surpreendidas por outro ataque, mas deste houve uma esquiva inesperada e um lance aos céus. Elas pareciam querer evitar danos à rua e principalmente às folhas que ali descansavam. Minha guria não estava mais em brisa, ambas agora, lado a lado, sopravam ao ritmo da batalha, e a música parecia buscar acompanhamento para essa gélida confusão. Minha guria teria partido novamente?
Algumas folhas já podiam ser vistas despedaçadas sobre os carros ou partidas ao meio na sarjeta. Isso me aspirava mais rancor quanto ao redemoinho e seus parceiros de baderna.
Lá em cima nos céus a batalha continuou. E sem muito soprar ou uivar os ventos aniquilaram as brisas. A magia se quebrou. E com ela até a doce melodia do rádio parou de soar. E como uma volta olímpica, os ventos circundaram a arena na qual ouve a luta, impiedosa e injusta, e passaram em frente minha janela fazendo tudo voar e sacolejar.
O fogo se apagou e a janela se fechou. Levantei-me descrente de tudo aquilo que se passou. A energia voltará e o rádio sozinho pôs-se a tocar a mesma canção, apenas alguns segundos adiante de onde havia sido interrompida.
Avivei rapidamente o fogo, alimentei com novas achas, abri a janela e pus-me a sentar novamente na cadeira de balanço e observar a rua. O berreiro do vento ainda atormentava meus ouvidos e minha alma sentia o frio da perda. Como era possível, as brisas que tornaram deslumbrantes alguns minutos da minha tarde haviam desaparecido.
Todos os vizinhos colocando a cabeça janela a fora, poucos se arriscavam a sair. Parecia que um tornado havia passado por ali.
A esperança já ia se esvaindo, mas como o autor da bela canção que ainda tocava meu coração já dizia: “A última gota de esperança sempre é infinita”. Ao recordar da frase recordei novamente da noite em que todas as gotas de esperança em mim fugiram do compasso da minha vida melodiosa, e restou apenas a última gota. A última gota que aguardava a hora de encontrar novamente minha guria. Eu a vi novamente há alguns segundos, como uma ilusão, mas eu preciso sentir seu calor, preciso lhe tocar...
"A água é para os escolhidos
Mas como podemos esperar que sejamos nós..
... eu e você?"
Máquina do Tempo: Vaga Viva do Coletivo Ideia Nossa. A única vaga viva do lado de cá da ponte =) Vaga Viva do Ideia Nossa
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quinta-feira, 9 de outubro de 2008
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