Texto que li na Revista do Brasil de fevereiro e encontrei no site da SINTESP e resolvi compartilhar com vocês.
Linkando com o post-dissecativo do Ge sobre La Voz Perdida em que foi destacada a questão de questionar.
Boa leitura.
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Uma das figuras mais interessantes do Bar da Preta, rincão filosófico-etílico-ludopédico que costumo frequentar, é o Contrário. Ele sempre pode ser encontrado no fundo do bar, bebendo uma cerveja de canudinho. Contrário é franzino como um flamingo, sua idade é indefinida, algo entre 27 e 72 anos, e ninguém sabe seu nome verdadeiro.
Ele ganhou este apelido porque se interessa por qualquer discussão e, depois de escutar os debatedores por alguns minutos (às vezes, apenas alguns segundos), dispara: “E se fosse o contrário?”
Ele faz isso qualquer que seja o tema. Por exemplo, num fim de tarde, quando a polêmica era sobre se a Copa do Brasil deveria ter menos times, ele lançou sua célebre pergunta. E logo depois se explicou: “Em vez de 64, a Copa do Brasil poderia ter 128 times. Ou 256. Ou 512. Ou..., ou, ou...”
“Mil e vinte quatro”, soprou Alaor, o contador.
“Isso, 1.024! Podia ser o maior campeonato do mundo. Todos os times do Brasil entrariam, e os grandes iam chegar só na fase final. Aí, o clube da oitava divisão, se fosse bom, iria passando de fase e acabaria jogando com o Corinthians, com o Flamengo, com o Cruzeiro... Sem falar que ia ter time sobrevivendo mais tempo, porque tem muito clube que só fica vivo uns dois meses por ano.”
Todos acharam interessante a ideia do Contrário, mas, como ninguém o leva muito a sério (talvez por usar a roupa do avesso), a discussão não foi em frente.
Doutra feita, o assunto era mais sério: democracia representativa, voto distrital e essas coisas. E lá veio a frase:
“E se fosse o contrário?”
“Como assim, o contrário, Contrário?”
“E se não tivesse deputado, vereador, essas coisas?”
“Você quer a volta da ditadura?”
“Não, pelo contrário! Eu quero é votar. Em tudo. Não quero que um cara vote por mim. Isso dava certo lá nas Grécias, quando tinha pouca gente. Mas, hoje em dia, um deputado representa umas quatrocentas mil pessoas. Assim não dá certo. Sem falar que ouvi dizer que agora tem um negócio chamado internet, onde todo mundo pode ler as coisas e conversar. Então era só botar um assunto na roda, a gente votava e pronto. Tipo plebiscito.”
Mais uma vez, a ideia pareceu interessante para alguns, mas, como o Contrário estava usando o sapato direito no pé esquerdo e vice-versa, acabamos deixando para lá.
Contrário também já falou que as famílias podiam acabar e para que voltássemos aos clãs; que, em vez de liberar o casamento gay, deviam é abolir o casamento; que em vez de cota de negros, as universidades deviam é ter cotas de brancos; e que em vez de o universo ter começado por um Big Bang, podia não ter começado, mas sempre existido e se modificado.
Enfim, o Contrário sempre traz uma nova luz sobre as questões. Seus argumentos só não impressionam a Preta. Quando ele tentou convencê-la a não cobrar sua cerveja, pois a propriedade era a raiz de todos os males, a corpulenta mulher pôs as mãos em seus ombros e disse: “Acho que hoje vamos saber como é o Contrário do avesso”.
O Contrário, avesso à violência, pagou na hora.
José Roberto Torero
Um comentário:
E se fosse ao contrário ? o Poste se chamaria: Tudo igual !! =D
bom texto... thanks !
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