--- Frase de Agora! ---
"A água é para os escolhidos
Mas como podemos esperar que sejamos nós..
... eu e você?"

Máquina do Tempo: Vaga Viva do Coletivo Ideia Nossa. A única vaga viva do lado de cá da ponte =) Vaga Viva do Ideia Nossa

Destaque da Semana: Onde está o sol que estava aqui?
Ladrões de sol, crise hídrica e êxodo rural

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

Urbana Mata Atlântica

Aqui estou de volta a rabiscar algumas linhas tortas e tomara que em 2012 o blog ressuscite de vez!

Bom... 

Sabe aquelas pessoas que você conhece e rapidamente cria uma admiração tremenda? Foi assim quando conheci a Aline no Seminário de Mudanças Climáticas promovido pelo Instituto Pólis (post sobre o evento em andamento). 

Não era só o fato de ambos estudarmos saneamento, ou de termos trabalhado em áreas parecidas ou mesmo o espirito cicloativista presente em nós dois. Ela é mesmo uma pessoa iluminada e pude sacar isso logo de cara: admiração à primeira vista e não tem conversa.

Tanto que quando trabalhei na comissão organizadora da semana de meio ambiente da FATEC logo pensei em convidá-la para palestrar. Meu pedido foi atendido e a palestra foi um sucesso! :D

Eu estou no último ano da minha graduação e nos meus planos audaciosos estudar na Faculdade de Saúde Pública, onde a Aline estuda, seria algo fantástico. Tê-la um dia como orientadora, então...

Eu preciso voltar a escrever aqui no blog (estou totalmente fora de forma), então preparei esse "mini-prefácio" para o texto maravilhoso que é o prólogo da dissertação de mestrado dela que logo, logo será publicada.

Boa leitura e aguardo comentários!

@alvarodiogo "Compartilhe suas ideias"
http://www.ideianossa.blogspot.com 

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Urbana Mata Atlântica
por Aline Matulja*



Topolândia em São Sebastião - SP por Zeca

Nasci em 1984 e fui criada na cidade de São Paulo, a maior cidade tropical úmida do planeta! Cresci ouvindo o relato heroico, mas traumático da minha mãe boiando com sua Belina na Zona Leste quando começava a carreira de professora. Famílias contando na televisão que perderam tudo, do nada que tinham. Vizinhos do Cambuci instalando comportas nos portões e pintando seus muros a cada ano para superar a lembrança de mais uma cheia.

Aprendi a andar de bicicleta nos jardins do Ipiranga onde estão as margens plácidas do hino: cada dia mais fétidas. Fechávamos os vidros para o medo do assalto e para cheiro do rio Pinheiros, ambos produto do mesmo abandono. Às vezes dava vontade de acampar com aquelas crianças numa casinha de madeira em baixo da ponte e não entendia por que eu não devia olhar nos olhos dos mendigos que moravam na praça em frente de casa. Olhava pela janela do carro e perguntava-me por que aquelas máquinas enormes dentro do Tietê; não seria melhor parar de jogar cocô ali?

Ia passar férias em Guarapari, latitude 20°S no Espírito Santo, e a cada ano que passava a cidade estava maior. Eu não podia mais ir tomar sorvete sozinha, nem passear na feirinha. Um dia toda aquela gente ficou proibida de entrar no mar por causa da bandeira vermelha e fazia muito calor. Eu perguntava pra minha mãe: “Mas quem foi que fez cocô na água?”. Não fomos mais pra lá. Agora descíamos a serra do mar paulista quando passávamos por Cubatão, onde meu pai sabia de cor cada receita para fazer soda cáustica, cloreto de alumínio, solvente clorado, etc e etc. Ele, entusiasmado, dizia que tudo que temos, incluindo minhas bonecas, dependia daquelas fábricas. Eu só achava que elas não combinavam com aquela floresta encantada entrecortada por túneis e cachoeiras e nem com o mico leão dourado que vinha no chocolate surpresa. E a ararinha azul então que, segundo a figurinha, só havia mais um casal no mundo? Torcia pra elas não se perderem uma da outra como aconteceu com minha mãe e eu no supermercado outro dia.

Já em Bertioga a gente via índios guarani e eu ficava numa emoção só! Era um sinal que estávamos num lugar sem cidade. Só achava estranho eles estarem de roupa na beira da estrada vendendo e não do rio pescando. Chegando em Camburi era uma festa só! Aqui podia tudo! Pena que chovia! Chovia tanto em São Sebastrovão, bem nas férias de verão. Eu achava que a gente tinha que ter férias em outro mês. Um dia choveu tanto que encheu a rua de casa e até que era divertido caminhar com agua na canela. No outro ano a água entrou em casa e a gente subiu tudo, perdemos só o sofá, mas foi engraçado ver até meu pai puxando lama pra fora. Foi a farra do rodo. Todo ano acontecia, o nível da água cada vez mais subia conforme Camburi crescia.

Também cresci. Fui fazer faculdade em Florianópolis, latitude 27°S em Santa Catarina. Fui morar na praia e aprendi a gostar de vento e chuva! Aprendi também o que é mangue, restinga, floresta ombrófila densa. Vi como é simples tratar esgoto, monitorei poluição de gasolina em lençol freático. Fiz amigos urbanistas que, no papel, otimizavam espaço e sugeriam materiais reciclados muito baratos para construção de casas populares. Aprendi que no mundo de tecnologias existe solução para quase tudo. Mas continuava sem entender porque aquela cidade poluía seu principal ponto turístico, a Lagoa da Conceição, e a ocupação de suas encostas crescia para locais improváveis. A condição de vida na Ilha da Magia começava a me lembrar minha cidade natal, Guarapari e o Rio de Janeiro.

Passei a frequentar audiências públicas para discussão destas questões. Via de um lado o governo respaldado de palavriado técnico e do outro, pessoas indignadas, reagindo com argumentos individuais àquela agressão coletiva. Violência mútua. E eu pensava: Por que brigam tanto se a solução só poderá ser o que é melhor para todos? Seria possível que se chegasse a um consenso? Qual é a origem do problema que estamos discutindo? Quais são as alternativas, suas vantagens e problemas? O que diz a lei sobre isto? Nada disso era respondido. Queria saber onde estavam aqueles autores que diziam o que era certo e errado naquele momento. Em suas páginas parecia tão fácil escolher e aplicar aquelas tecnologias.

Encontrei um mundo em que os interesses políticos e econômicos prevalecem ao bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida como diz o artigo 225 da constituição federal. Junto com isso a incapacidade de dialogar e uma gestão setorizada voltada para o problema imediato, em que não se olha para a causa das causas.

Faz tempo que lemos Consequências da Modernidade de Anthony Giddens (1990), mas na corrida da globalização construímos um país tropical urbano com problemas sociais e ambientais incoerentes ao avanço econômico. O discurso de o Ponto de Mutação de Fritjof Capra (1983) também já está batido, mas a importância dada a hiperespecialização alimenta a fragmentação do mundo onde somos mais robôs do que cidadãos. Segue nas próximas páginas uma tentativa em sentido contrario.


Napoleão e Aline Matulja
*Aline Matulja trabalha com mediação de conflitos ambientais e educação para sustentabilidade. É engenheira sanitarista e ambiental (UFSC) e quase mestre em saúde pública (USP). Escreve no blog criaumfractal.wordpress.com

Um comentário:

Maguita* disse...

Lindo post!
Quando somos crianças fazemos milhões de perguntas, quando crescemos, paramos, acreditando que o problema vai se resolver sozinho.
Não vejo a hora de ler o resto! :)

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