Do outro lado da cidade seus pais corriam. Dentro do carro dois enfermeiros da Clínica Reformatória de Delinquentes Juvenis. Estavam a chorar.
As luzes dos homens já reinavam na cidade, o sol se punha por completo.
A mãe, no banco do passageiro chorava incessantemente, e tentava se controlar tomando meia dúzia de calmantes, sem efeito. O padastro dirigia o mais rápido possível dentro do limite de velocidade, estava visivelmente abatido, mas parecia uma criança sorridente perto de sua mulher. Os enfermeiros estavam preocupados e levavam consigo uma camisa de força e alguns tranqüilizantes numa maleta de couro rachado, ambos eram novos na CRDJ e nunca tinham pegado caso tão complicado.
- Ai...
O padastro suspirava e levava uma das mãos à cabeça, e no semblante rugas de preocupação que logo deram lugar para um riso no canto da boca.
- Eu sabia que tinhamos esquecido algo, lembrou-se o que era querido?
Trepidava, mas tentava manter a calma na voz suave que um dia já encantara multidões nos teatros no centro da cidade.
- Não, não lembrei de nada, só não aguento mais essa situação.
Ríspido e sem tirar os olhos da estrada o homem de meia idade, corpulento e de cabelos esvoaçados dirigia, agora já não com tanta pressa, agora já não tão desesperadamente. Seus olhos denunciavam algo, mas todos no carro estavam presos em suas próprias teias e sua gargalhada seca e pra dentro nem foi percebida.
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O garoto entrava em pânico, o sol partira sem ele, estava envolto ao breu e a noite lhe causava arrepios. Não enxergava nada.
Estava prestes a lutar, a esquecer de todos os problemas e buscar por soluções, não seria covarde de deixar esse mundo horrível, antes de partir teria que mudar o mínimo possível, queria fazer sua parte, não queria mais fugir, interpretava a situação com outros olhos.
Ele não abria mais suas feridas, agora passava a mão levemente sobre elas tentando estancar o sangue. Precisava ver sua face novamente, sentia-se mudado, como se os últimos raios de sol o tivesse enfeitiçado.
Sentia-se tonto e precisava respirar, aquele forte odor inalado estava enfraquecendo-o mais e mais. Estava deslocado, não sabia pra que lado era a porta que dava ao quintal. Achou-se ao pé da mesa da cozinha e tateando sobre sua superfície encontrou um isqueiro...
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A um quarteirão da casa ouviu-se uma explosão, houve uma troca de olhares e um grito agudo mergulhado em desespero:
- O gás!!! Esquecemos o gás ligado!
...
Seu maior pecado foi ser um adolescente que conseguiu abrir os olhos, primeiro para o problema e depois para a solução, mas já era tarde, sua presença não importava mais, ninguém parou sua rotina alienada de casa-trabalho-compras para tentar compreendê-lo. E ele queimou com tudo, ele vôou dentro das chamas purificadoras, evitou sua queda naquela noite de veludo negro-piche e libertou-se dessa sociedade medíocre, agora ele não precisa mais nadar contra a corrente, simplesmente voa livre por aí seguindo os raios de sol e ajudando a aquecer algumas almas desorientadas...
2 comentários:
Eu gostei!! Eu não parei pra escuta a música ainda, mais gostei do conto!!
baaaah!!! vlw por ler e pelos comentários...
fiquei surpreso ao você dizer que gostou mais desse do que o Brisas de Outono... no BDO eu demorei mt tempo pra concluir pq achava q nunca estava bom, nesse aih acho que ainda não está bom, acho que devia ter explorado mais o psicológico da personagem e sido mais detalhista e tals, mas mesmo sim postei.
Mas que bom mesmo que gostou apesar das minhas neuras ^^
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